Ex-Humanos
Criar em imagens uma ficção
científica propondo uma temática reflexiva e que permita ao público a
identificação daquilo que é espetacularmente inimaginável, é um desafio que
poucos filmes alcançam. Mariana Porto consegue fazer isso em Ex-Humanos
entrelaçando uma experiência visual alcançada pela fotografia de Ernesto de
Carvalho e trilha sonora sob medida, emprestando suas ideias na construção
de um mundo em que humanos e não humanos coexistem no ambiente hostil, dominado
pelas regras de um sistema operacional, amarrando sua temática em boas
nuances que transmite um aspecto ambiental de tempo e estado interessante, em
paradoxo a qualquer registro de boas memórias colhidas no lixo como fonte de
alimento.
No filme, em um futuro
distópico, ex-humanos descobrem no cinema uma
forma de se alimentar com
sensações fugazes, restando aos humanos uma adaptação cruel a condições de vida
precárias e com fortes viés de extrema opressão, para satisfazer o
desejo dos ex humanos. O aspecto mais interessante do roteiro é a presença
constante de elementos de ficção científica, ainda que poucos efeitos especiais
sejam usados, especialmente para evidenciar a questão da manipulação das
imagens, como alimento para o Ex-Humano (Arthur Schmidt), criando um
espetáculo muito atrativo de ser acompanhado. Já com o Humano (Claudio Marino),
sua rotina é retratada como uma era de escombros, vivendo às escondidas em meio
ao medo, numa guerra diária pela sobrevivência e rodeado por
lixo, única fonte de colher os suprimentos necessários para manter o cinema
do Ex-Humano funcionando. É através dos restos eletrônicos que lembranças
do passado são trazidas à tona e o publico passa a conhecer o quanto
memórias de dias felizes são poderosas em tempos de caos. A Humana (Vera
Valdez) é uma personagem complexa, capaz de processar imagens fotográficas, que
alimenta os contornos da sociedade decadente, mas resistente.
Premiado em quatro
categorias por Melhor Filme de Ficção, Melhor Direção, Melhor
Fotografia e Melhor Som, na vigésima primeira edição do
Festcine, Ex-Humanos mostra que o filme ainda tem muito a conquistar,
graças a direção muito segura de Mariana Porto que apresenta
todos os elementos importantes da narrativa sem perder o ritmo, valendo-se, dos
momentos sem diálogos, algo que acaba valorizando muito o filme, em vista do ar
de seriedade que imprime, além de ser eficiente para ampliar a profundidade dos
personagens, humanos com certa dose de desespero e ex humano com um aspecto de
retrocesso, destacando suas características com closes na sua expressão facial
e com diferentes planos detalhes na postura corporal. Com uma
montagem esperta consegue, ao mesmo tempo, passar a impressão de passagem
temporal num ritmo lento, que dá ao público tempo para pensar junto com os
personagens em uma saída daquele ciclo, causando um sentimento ainda mais
imersivo quando som do ambiente, áudio vazado de carros, sirene de ambulâncias
e outros sons evidenciam e sugere que mais humanos vivem naquele ambiente,
ainda que não apareçam em cena.
Assustadoramente
eficaz Ex-Humanos acerta em ser uma vigorosa ficção
científica e se torna um dos filmes mais memoráveis na exibição
da 2ª OroCine, provando, mais uma vez, que os filmes independentes
com um roteiro inteligente e direção criativa podem superar qualquer
dificuldade na sua realização. Ao seguir por um caminho que explora menos o
mundo realista e mais o ficcional, o curta é engenhoso e exibe a fórmula certa
para conquistar os amantes do gênero.
Observação: Crítica
produzida junto com o colega de turma Carlos Henrique na Oficina de Introdução
à Critica Cinematográfica oferecida pela segunda edição da OroCine.