Seja indiscreto (a) e se
renda ao prazer de observar tudo que tem neste filme quando o assistir.
Foi pensando em não cometer o terrível crime de deixar este filme passar despercebido, que resolvi falar dele, especialmente neste dia. Janela Indiscreta de 1954, dirigido pelo Mestre do Suspense, Alfred Hitchcock, nos proporciona uma experiência única, ao nos permitir adentrar de forma indiscreta no cotidiano de seus personagens. Indicado ao Oscar de 1955, nas Categorias de Melhor Roteiro Adaptado, Direção e Fotografia, não ganhou nenhuma estatueta, mas se consagrou por ter nos contado uma das melhores histórias assistidas até hoje.
Roteiro de John Michael
Hayes, baseado no conto It Had To Be Murder de Cornell Woolrich, escrito
em 1942, narra que em Greenwich Village, Nova York, L.B. Jeffries, um fotógrafo
profissional, está confinado em seu apartamento por ter quebrado a perna
enquanto trabalhava. Como não tem muitas opções de lazer, vasculha a vida dos
seus vizinhos com um binóculo, quando vê alguns acontecimentos que o fazem
suspeitar que um assassinato foi cometido em um dos apartamentos.
Algo que me conquistou de
primeiro, foi o passeio que a câmera faz pra mostrar detalhadamente onde toda a
história se passaria, ou seja, em um único cenário, onde a vizinhança têm
hábitos caseiros comuns, cujo todos eles combinam com a simplicidade de seus
apartamentos. O tom rústico é muito bem utilizado, justamente por ser um rústico
personalizado, que não passa a ideia de sujeira ou sofisticação, mas de
aconchego e simplicidade. Algo certamente pensando pra deixar o espectador com
mais vontade de olhar a vida alheia também.
Ao nos apresentar o
protagonista, sem utilizar qualquer palavra, já sabemos como é sua
personalidade e sua profissão. Isso porque o trabalho de câmera é tão
fantástico que em um único passeio pelo ambiente onde Jeff se encontra
imobilizado e cheio de tédio, fala mais que mil palavras. É assim que somos
levados a olhar a vida dos outros personagens, com mesmo interesse demonstrado
por Jeff. A câmera fluente é que dar vida a todas as coisas e movimentos que os
olhos de Jeff ver. De imediato sentimos que o tédio sentido por ele vai
passando na medida em que ele fica cada vez mais interessado no que os outros
estão fazendo em suas casas. Por este conjunto de ações, conhecemos a rotina da
bailarina, a do casal que dorme na varanda por causa do calor, a do músico que
tem bloqueios pra compor suas canções, a da solteirona que tanto sonha em
compartilhar sua vida com outra pessoa e também a vida do casal que se mantém
distante um do outro, demonstrando que a relação está desgastada e chegando ao
fim.
Alfred Hitchcock aproveita o
casal com problemas conjugais pra criar toda a situação do suspense. O marido
de uma hora pra outra começa a ter atitudes diferentes das observada por Jeff e
pra completar este quadro, de repente sua esposa desaparece do apartamento.
Jeff com os sentidos aguçados, usa também a lógica da sua profissão e começa a
imaginar que ali aconteceu um assassinato. Vale lembrar que a maneira com que o
suspense foi construído aqui, é totalmente espetacular, já que
aparentemente não tem mortes ou sinal de sangue. Dando mais trabalho
ainda pra quem está olhando passe a buscar maneiras de olhar mais profundamente
os detalhes ocultos, fazendo Jeff agora recorrer ao seu material de trabalho,
um binóculo e uma câmera. Cada vez mais convicto do assassinato, ele defende a
ideia que olhar a vida alheia é algo normal diante daquelas circunstâncias. Ao
revelar suas suspeitas pra sua enfermeira Stella (Thelma Ritter), a mesma o
conduz a refletir até que ponto, olhar a vida alheia é correto, mas ela passa a
acreditar nos fatos narrados por Jeff, deixando seu desinteresse pela vida
alheia sumir, pra espiar também, agora com um interesse gigantesco. Lisa (Grace
Kelly), namorada de Jeff também se envolve na busca pela certeza do
assassinato, algo muito bem trabalhado aqui, já que a personagem foi criada pra
fazer parte de algo maior e não só pra servir de par romântico pra Jeff.
Neste filme Alfred Hitchcock
consegue unir situações que se parecem com o momento que o protagonista está
vivendo, como por exemplo uma cena onde a solteirona prepara todo ambiente pra
tomar um vinho, imaginando como o tomaria se estivesse acompanhada, ao levantar
a taça pra brindar, é o Jeff que mesmo distante levanta sua taça e faz o brinde
acontecer. Isso mostra claramente que o protagonista, não é insensível e
compreende o que ela poderia estar sentindo. Assim como faz ao apreciar a linda
música tocada pelo pianista, detalhando os problemas enfrentados pelo músico
pra compor com sua própria relação com Lisa, uma personagem muito bem
aproveitada na trama. Apresentada de início como fútil, mas com outras camadas
que a cada momento eram mostradas nas cenas onde aparecia. Gentil, linda,
inteligente e determinada nos cativa por ser uma mulher que sabe muito bem o
que quer e onde quer chegar. Sem dúvida, uma das melhores performance de Grace
Kelly.
Janela Indiscreta é um filme
que a gente não cansa de assistir, isso porque nele não há diálogos
desnecessários, personagens clichês e resolução do suposto assassinato de forma
clara. Nem tão pouco nos preenche com a certeza que observar a vida alheia é
algo que não traz consequências.